quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Geraldinos: o fim de uma era

Durante mais de 6 décadas, milhares de torcedores se aglomeravam numa área à beira do fosso do Maracanã para acompanhar os times do coração. Era a chamada "geral", um espaço democrático, com ingresso barato, que atraía todo tipo de gente: da figura folclórica e apaixonada que se fantasiava para ver o jogo, até aqueles mais discretos, porém supersticiosos, que andavam de um lado para o outro, sem parar, evitando até mesmo olhar para o que acontecia dentro das quatro linhas. E não para por aí não: havia também aqueles que xingavam jogadores e atiravam objetos no treinador, e tentavam evitar, a todo custo, o gol adversário.

É esse o universo retratado por Pedro Asbeg e Renato Martins em "Geraldinos", documentário lançado ano passado, e que ganhou o troféu Barroco de melhor filme eleito pelo júri popular na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que aconteceu de 22 a 30 janeiro. Acompanhe o bate-papo que eu fiz com eles:

Pedro Vieira: Como surgiu a ideia de fazer o filme?

Pedro Asbeg: A gente ficou sabendo que a geral ia acabar e resolvemos então ver um jogo nesse setor, mas sem a intenção prévia de fazer um filme. Só que saímos de lá com a certeza de que precisávamos registrar aquele ambiente especial e que era um absurdo que ele acabasse. No jogo seguinte já estávamos lá com uma câmera, observando quem estava mais exaltado, quem fazia as caretas mais legais e fomos descobrindo esses personagens. Filmamos dez jogos e aos poucos fomos encontrando os Geraldinos que tinham as histórias mais legais para contar.

Pedro Vieira: A geral foi extinta no Maracanã com as reformas para os Jogos Pan-Americanos de 2007. Como foi reencontrar os Geraldinos que gravaram depoimentos para o filme anos depois?

Renato Martins: O tempo foi um dos fatores que ajudaram o nosso filme a acontecer. Começamos as filmagens em 2005 e retomamos em 2013, após o fim da geral. E descobrimos que poucos deles ainda frequentavam o Maracanã, que se transformou numa arena com ingressos caros. A geral acabou se transformando nos botecos ou até mesmo no quintal da casa desses torcedores. Alguns continuam indo porque têm gratuidade ou um amigo descola o ingresso, mas a maioria deixou de ir ao estádio.

Pedro Vieira: O que aconteceu no Maracanã acabou se repetindo em vários estádios Brasil afora, com as reformas para a Copa do Mundo. Como vocês analisam esse processo de elitização do futebol?

Pedro Asbeg: Eu acho que isso é um problema mundial, já que estádios na Europa estão passando pelo mesmo processo. Mas o futebol no Brasil é o esporte mais popular, faz parte da nossa cultura, traz lazer às pessoas, então esse problema se torna ainda mais grave. Eu acho que o que aconteceu foi um crime, um estupro. Acabaram com o Maracanã, tanto do ponto de vista cultural quanto arquitetônico. Transformaram-no em um negócio sem alma.

Pedro Vieira: Vocês ouviram depoimentos de ex-jogadores como Romário, Zico, além de jornalistas, do representante da concessionária responsável pela reforma do Maracanã e até políticos, como o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL do Rio, cada um com uma opinião diferente sobre a geral. Para vocês, o fim dela é um caminho sem volta?

Renato Martins: O futebol está passando por um processo de involução. Quando ele surgiu, na Inglaterra, era um esporte aristocrata, e nós, no Brasil, conseguimos transformá-lo em um esporte popular, para as massas, e agora as massas estão sendo excluídas do futebol. Não existe mais a seleção brasileira, e sim a seleção CBF, em que são os patrocinadores que escalam os jogadores. Eu vejo a esperança na série C, nos times de várzea. Se os grandes clubes continuarem no processo em que estão, no futuro a garotada estará torcendo pelo Barcelona ou Real Madrid, times que eles veem só pela televisão. Existe solução, mas tem que ter vontade política e empresarial pra isso.

Pedro Asbeg: O que a gente está fazendo é necrofilia, estamos lidando com um cadáver, mas somos tão apaixonados que não queremos ver isso.

Pedro Vieira: Na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme foi exibido no Cine Praça, ao ar livre. Como foi participar do evento e ainda por cima ser eleito o melhor filme pelo júri popular?

Pedro Asbeg: Quando houve o convite para participarmos da mostra foi uma surpresa muito grande. A sessão em praça pública foi emocionante, pois traz uma outra relação com o público. E o nosso filme fala justamente sobre espaços públicos, fala de inclusão e exclusão, o que tornou tudo ainda mais legal. E ficamos surpresos ao ganhar o troféu, realmente não esperávamos.

Pedro Vieira: Geraldinos foi exibido pela primeira vez no Festival É Tudo Verdade, em 2015. Como está a distribuição do filme?

Pedro Asbeg: Não temos verba específica para a distribuição então iremos diversificar. A ideia é levar o filme para o maior número de pessoas através do sistema de video on demand. Também iremos fazer algumas exibições no Canal Brasil, que é coprodutor do filme.

Renato Martins: Queremos levar o filme para cinemas alternativos do Rio, São Paulo, Minas Gerais e também para o sul e nordeste, mas a plataforma on demand será a principal maneira de distribuição do documentário. E quem quiser saber mais informações pode acessar a página
www.facebook.com/geraldinosdoc

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